João 6, a Eucaristia e os Protestantes
Todo  protestante que se preze lê a Bíblia. Em particular, muitos gostam do  Novo Testamento e em especial o Evangelho de São João é querido por  inúmeras pessoas. Eu também amo a forma como São João expõe o Evangelho  do Mestre.
Mas há alguns detalhes que as pessoas passam por alto. Um deles, senão o  principal, está diante dos olhos de todos e muitos nem percebem. Falo  do texto de João 6. Alguém mais desavisado dirá: “mas o que tem João 6  de especial?”. É aí que está. Estamos diante de um texto deveras  especial. Vamos a ele.
“Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Do céu  deu-lhes pão a comer. Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos  digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o  verdadeiro pão do céu. Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e  dá vida ao mundo. Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão.  Declarou-lhes Jesus: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim, de modo  algum terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede. Mas como já vos  disse, vós me tendes visto, e contudo não credes.” (João 6:31-36)
Aqui Jesus declara ser o pão da vida, o pão que desceu do Céu e que dá  vida ao mundo. Ele falava literalmente e assim foi compreendido, como  veremos depois. Tanto é verdade, que em seguida os judeus conjecturavam:
“Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que  desceu do céu; e perguntavam: Não é Jesus, o filho de José, cujo pai e  mãe nós conhecemos? Como, pois, diz agora: Desci do céu?“ (João 6:41-42)
Fica claro aí, portanto, que os judeus estavam compreendendo Jesus tal  como ele falava. Aí, Jesus chega então ao cerne do texto em questão,  dizendo:
“Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu  sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para  sempre; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne.  Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a  sua carne a comer? Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se  não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue,  não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu  sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a  minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é  bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e  eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai,  assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que  desceu do céu; não é como o caso de vossos pais, que comeram o maná e  morreram; quem comer este pão viverá para sempre.” (João 6:50-58)
Sei que muitos dirão que ali Jesus falava figuradamente e etc. Mas tudo  isso poderia ser factível e até muito interessante, não fosse a reação  dos discípulos:
“Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este  discurso; quem o pode ouvir? Mas, sabendo Jesus em si mesmo que  murmuravam disto os seus discípulos, disse-lhes: Isto vos escandaliza?“  (João 6:60-61)
Realmente, eles tinham razão: era um discurso duro, forte demais até.  Mas Jesus os interpela perguntando se isso (que Sua Carne é verdadeira  comida e o Seu Sangue é verdadeira bebida) os escandalizava. E no  versículo 64 Ele ainda fala que alguns ali (entre os discípulos) não  criam. E aí acontece o inevitável diante dessa cena:
“Por causa disso muitos dos seus discípulos voltaram para trás e não  andaram mais com ele. Perguntou então Jesus aos doze: Quereis vós também  retirar-vos? Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós?  Tu tens as palavras da vida eterna.” (João 6:66-68)
Aí é onde vemos os verdadeiros discípulos. Muitos, por terem entendido,  sim, corretamente as palavras de Cristo, se retiraram, pois não podiam  suportar tal coisa (v. 60). Eles não se retiraram por terem achado chato  ou coisa parecida, não! Se retiraram por terem entendido, e não  aceitado a palavra de Cristo, mostrando que devemos comer da Sua Carne e  do Seu Sangue. Pois o verbo ali no texto original, não quer dizer  somente comer, mas triturar. Devemos, sim, comer do Corpo e do Sangue de  Cristo. E daí que muitos pensaram que Cristo falava de canibalismo. Não  era canibalismo, mas também eles não haviam entendido errado ao pensar  em comer de forma real Seu Corpo e Seu Sangue.
E aí, Ele se vira para os apóstolos e demais discípulos e questiona-os  se eles também o deixarão. Veja, que se tivesse sido um mal-entendido,  Jesus podia muito bem ter falado: “Olha pessoal, não é bem assim, eu  queria dizer isso e isso, não tem nada a ver com o que vocês  entenderam”. Mas não! Ele não fez isso! Ele deixou-os ir. Queria  qualidade de discípulos, não número. E olha que não era tanta gente  ainda, hein.
Lembre-se de que todas as vezes em que alguém entendia mal algo que Ele  falava e aquilo tinha que ficar claro, Ele tornava a explicar. Caso de  Nicodemus, que tomou a Jesus ao pé da letra (“nascer de novo” como sendo  o nascimento natural) e foi corrigido, para que ficasse claro o que  Jesus falava a ele; outra vez, quando Jesus falava do fermento dos  fariseus (Mt 16.6-12) e os apóstolos entenderam que era do fermento  natural, de pães que Ele falava, Ele corrigiu-os e mostrou que o  “fermento” aí era a doutrina errada deles e não o fermento literal como  todos conhecem. Teria mais situações nesse sentido nos Evangelhos para  comprovar o que falo. Ele deixou-os ir sabendo o que eles tinham  compreendido e que aquilo que eles entenderam (de tomar literalmente Sua  Carne e Seu Sangue) não era uma distorção do ensino que Ele tinha dado a  eles.
Ou seja, quando Cristo precisava esclarecer seus ensinos, Ele o fazia e  jamais deixava Seus filhos no engano. Não seria em uma hora tão vital  que Ele deixaria as pessoas crerem algo contrário do que Ele disse.
Sabemos ainda que esse texto que consideramos agora tem dois elos  essenciais na Escritura: Lucas 22:19-20: “E tomando pão, e havendo dado  graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o MEU CORPO, que é dado por  vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois da ceia,  tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto em MEU SANGUE, que é  derramado por vós“ e 1 Coríntios 11: 23-25, onde São Paulo praticamente  repete Nosso Senhor. Notem que em momento algum Cristo ou São Paulo  fala que isso representa o corpo de Cristo, antes que isso É o corpo e  sangue de Cristo.
Ou seja, ali Ele falava realmente de comermos Sua Carne e tomarmos o Seu  Sangue. Mas e a questão é: onde e como se faz isso? Existem provas que  Ele falava explicitamente da Eucaristia? Teria sido esse o entendimento  dos apóstolos e dos cristãos dos primeiros séculos? E hoje, quem segue  esse ensino? Vamos pensar um pouco.
Os Padres da Igreja e a Eucaristia
Sto. Inácio de Antioquia, do século II, dizia sobre a Eucaristia, que  ela era "a Carne de nosso Salvador Jesus Cristo, a qual padeceu por  nossos pecados e a qual o Pai ressuscitou por sua benignidade ".
São Cirilo de Jerusalém, ao comentar esses textos, especialmente o de  Lucas, afirma: "Havendo Cristo declarado e dito, referindo-se ao pão:  Isto é o meu corpo, quem ousará jamais duvidar? Havendo Cristo declarado  e dito: Este é o meu sangue, quem ousará jamais dizer que não é esse  seu sangue? " (Cirilo de Jerusalém, Catech. mystag., LXXXVI, 2401)
São Cirilo de Alexandria, comentando texto análogo ao de Lucas que está  em Mateus, fala: "(...) Porque o Senhor disse mostrando os elementos:  Isto é meu corpo, e Este é o meu sangue, para que não imagineis que o  que ali aparece é uma figura, senão para que saibas com toda segurança  que, pelo inefável poder de Deus onipotente, as oblações são  transformadas real e verdadeiramente no corpo e sangue de Cristo ; e que  ao comungar delas recebemos a virtude vivificante e santificadora de  Cristo." (Cirilo de Alexandria, Comment. In Math. XXVI, 27)
Com isso ele desmonta toda e qualquer tese de ser uma simples  demonstração do corpo de Cristo, antes, ele assevera que as oblações se  tornam categoricamente e insofismavelmente no corpo e no sangue de nosso  Senhor Jesus Cristo.
Veja o que um mártir, do primeiro século da Igreja, disse a respeito:
“Não me agradam comida passageira, nem prazeres desta vida. Quero pão de  Deus que é a carne de Jesus Cristo” (Sto. Inácio Mártir, Bispo de  Antioquia, escrevendo aos Romanos, parágrafo 7, cerca de 80-110 d.C.).
Não precisaríamos ir longe para comprovar que isso era o que criam os  primeiros cristãos e toda a Igreja desde sempre, desde o seu início. A  pergunta que não quer calar é: como os protestantes, que amam a  Escritura, fazem dela seu único baluarte (embora a mesma Escritura  assevere que o baluarte da Verdade é a Igreja e não a Escritura – cf. 1  Timóteo 3.15) não vêem isso? Por que motivo eles fariam vistas grossas  ao que colocamos aqui, da crença dos primeiros cristãos?
Veja S. Justino falando sobre a Eucaristia:
“Está comida nós a chamamos Eucaristia... nós não recebemos essas  espécies como pão comum ou como bebida comum; mas como Cristo Jesus  nosso Salvador, assim também ensinamos que o alimento consagrado pela  Palavra da oração que vem dele, de que a carne e o sangue são,  transformação, Carne e Sangue daquele Jesus Encarnado” (São Justino  Presbítero, I Apologia, cap. 66 cerca de 148-155 d.C.).
Aqui ele faz o elo claro, a transubstanciação. Ele também é por demais  claro ao falar que o alimento consagrado É corpo e sangue de Cristo e  não um pão qualquer.
Veja isso, datado do século II também:
“Assegurem, portanto, que se observe uma Eucaristia comum; pois há um  Corpo de Nosso Senhor, e apenas um cálice de união com seu Sangue e  apenas um altar de sacrifício”. (Stº Inácio de Antioquia – Carta aos  Filadelfos – ano 110 d.C.)
Outro Pai da Igreja do século II, falando clara e inequivocamente da  Eucaristia como sendo de fato, e não só simbolicamente, o Corpo e Sangue  de Cristo. E ele adiciona outro elemento aí: sacrifício! Ele fala em um  altar de sacrifício. Os primeiros cristãos tinham isso muito claro: só  havia uma Eucaristia, ela se constituía do Corpo e do Sangue de Cristo,  que eram pão e vinho consagrados e transformados no Corpo e Sangue de  Cristo por meio de um sacrifício!
Não se pode falar então de Nosso Senhor e dos primeiros cristãos como  hereges, idólatras ou qualquer coisa semelhante. Eles o faziam assim, e  tinham plena consciência disso ser o ensino de Cristo.
Mas, se um protestante estiver lendo esse texto, sei que falará: “olhe,  João 6 não dá base para falar de sacrifício e da missa como vocês  católicos crêem, quero ver se você me prova sua tese na Escritura”.  Ok... Vamos então a ela, a começar do AT.
O Antigo Testamento e a Eucaristia
Sempre chamamos a Cristo de o “Cordeiro de Deus", não? Como S. João  Batista: “eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Bem, no  AT, o cordeiro era muito comum, já que ele remetia ao sacrifício, que é a  forma de adoração mais antiga que se conhece. Temos muitos exemplos de  sacrifícios no AT: Abel (Gn 4.3-4), Abraão(Gn 15.8-10), Noé(Gn 8.20-21),  Moisés, Josué, Jacó (Gn 46.1), Melquisedec (Gn 14.18-20), etc. Só para  citar alguns.
Melquisedec, que é tido por muitos como tipo de Cristo, ofereceu um  sacrifício incruento. Ele não abateu algum animal, antes ofereceu pão e  vinho! Do mesmo modo que Cristo o fez na instituição da Eucaristia.
“Ora, Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; pois era  sacerdote do Deus Altíssimo; e abençoou a Abrão, dizendo: bendito seja  Abrão pelo Deus Altíssimo, o Criador dos céus e da terra! E bendito seja  o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão  deu-lhe o dízimo de tudo“ (Gen 14:18-20)
Os apóstolos e a Eucaristia
Os apóstolos foram mais claros ao falar da Eucaristia como corpo e  sangue de Cristo. Alguns acontecimentos no NT reforçam isso. Logo depois  da ressurreição, com os discípulos em Emaús, Cristo partiu o pão com  eles e foi reconhecido justamente no partir o pão (Lc 24.30, 31, 35). Em  Atos lemos que todos eram fiéis aos ensinos dos apóstolos, ao partir do  pão e às orações (At 2.42). Em 1 Coríntios, S. Paulo ressalta a  presença Real de Cristo nas espécies ao falar das conseqüências de se  tomar sem o devido preparo o Corpo e o Sangue de Cristo, falando que  quem o faz sem discernir, come e bebe a própria condenação (1 Co 11.29).
São Paulo fala do pão e do cálice como sendo Corpo e Sangue de Cristo:  Porventura o cálice de bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue  de Cristo? O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de  Cristo? (1Co 10:16) Daí que ele adverte os cristãos a não participar da  mesa do Senhor e da mesa dos demônios, pois muitos comiam carnes  sacrificadas a ídolos e ele com isso evidencia que a comunhão  eucarística é de fato a comunhão do Corpo e Sangue de Cristo e que não  podemos profaná-la....
Os Protestantes e a Eucaristia
Entre os protestantes, já não há esse consenso. Uns vão defender a  consubstanciação (luteranos), dizendo que a presença é só no momento da  comunhão, não depois, daí que eles não conservam as espécies, crêem que  depois não há mais presença de Cristo. Outros defenderão a presença  espiritual (calvinistas), dizendo que há presença de Cristo na  Eucaristia sim, mas não real e sim virtual. E outros ainda defenderão  que a Eucaristia é só um memorial da paixão de Cristo e nada mais  (batistas e a maioria dos protestantes). Ainda não é consenso entre eles  a quem deve ser administrada a eucaristia: se somente a membros da  própria igreja que o administra (conhecido entre eles “como comunhão  fechada”) ou se admitem-se membros de quaisquer confissão protestante na  administração da eucaristia (conhecida essa posição como “comunhão  aberta”). Normalmente se vê batistas abraçando a primeira, enquanto  presbiterianos e demais reformados abraçam a segunda. Pentecostais  também se dividem. Entre eles, a Congregação Cristã defende a comunhão  fechada e os assembleianos, entre outros, defendem e praticam a comunhão  aberta.
Conclusão
Pudemos ver que o ensino perene de Nosso Senhor sobre Seu Corpo e Seu  Sangue foi levado adiante pelos apóstolos e pelos Pais da Igreja, tendo  uma prefiguração clara já no AT. Quando Ele falou de comer e beber da  Sua Carne e do Seu Sangue, não falava de modo figurado, mas real.
Os protestantes, que tanto pregam o amor à Escritura, não crêem no  ensino claro de Nosso Senhor sobre isso, pois isso significaria retornar  a Roma. Antes, na sua busca de defender posições não ensinadas na  Escritura, se dividem em mil e uma interpretações sobre qual a posição  mais correta. E isso desde os primórdios da Reforma. Já que desde aquela  época nunca houve consenso entre eles a esse respeito.
É dever da alma consciente decidir. A quem ouvir? À Igreja, que sempre  ensinou o que Nosso Senhor e os apóstolos, os Pais da Igreja ensinaram  por séculos? Ou a centenas de igrejas protestantes que não tem consenso  entre si sobre um ponto fundamental da fé cristã?
"Jamais me pude persuadir de que Jesus, a Verdade e a Bondade mesmas,  tenha permitido que por tantos séculos a sua Esposa, a Igreja, haja  prestado adoração a um pedaço de pão em lugar de adorar a Jesus mesmo"  (Erasmo de Roterdam).
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