Infidelidade do clero é pior que perseguição, diz Dom De Paolis

03/08/2010 17:05

Prelado participou na Itália de encontro sobre desafios da Igreja

 

Por Mirko Testa 

CASPER, terça-feira, 3 de agosto de 2010 (ZENIT.org) – A infidelidade do clero e a perda da identidade cristã representam perigos maiores que as perseguições.

Foi o que disse o arcebispo Velasio De Paolis, religioso da Congregação dos Missionários de São Carlos (mais conhecidos como Scalabrinianos) e presidente da Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé.

O arcebispo falou no dia 30 de julho, em um encontro em Casperia, província de Rieti (Itália), que discutiu o tema "A Igreja em posições de fronteira: Islã, Oriente, Ocidente secularizado".

Interpelado por perguntas dos participantes e do moderador, o jornalista do La Stampa Raphael Masci, o arcebispo de 74 anos analisou alguns dos principais desafios enfrentados pela Igreja hoje, a partir das dificuldades dos cristãos em países de maioria muçulmana.

Martírio

Ao início do debate foi recordado um recente episódio sangrento no Paquistão, registrado contra dois irmãos, Emmanuel e Sajid Rashid Masih, vítimas do fundamentalismo em Faisalabad, província de Punjab.

Eles foram mortos a tiros, no dia 19 de julho, sob o olhar de muitas testemunhas e três policiais, ao deixar o tribunal em que compareceram para responder a uma acusação de divulgar um panfleto contra o profeta Maomé, tipo de crime que a lei paquistanesa pune com a pena de morte.

Nesse contexto, o arcebispo De Paolis observou que “a Igreja sempre sofreu perseguição, desde o seu nascimento, e que a evangelização de cada país sempre implicou o martírio”.

De fato – disse o arcebispo citando o padre Congar –, “a Igreja, na sua longa história, tem sido mais vitoriosa nas dificuldades do que em gerir os seus triunfos".

"O século XX, em particular, foi o século que sofreu a pior perseguição – disse –. E isso é um fato perante o qual a opinião pública ocidental é quase totalmente surda, assustadoramente indiferente.”

Analisando o conceito de martírio no cristianismo, o arcebispo explicou que se busca evidenciar não a maldade do homem, mas a capacidade de uma pessoa ofertar a própria vida.

"No martírio – disse – não vemos primeiramente a triste história humana que se repete, com seus episódios de injustiça, mas vemos a vitória do amor sobre o ódio e sobre a morte. Esta é a grande novidade cristã.”

"Jesus – afirmou Dom De Paolis – entregou a própria vida e com sua morte revelou o seu amor por nós, abriu nosso horizonte para a eternidade, infundindo-nos uma vida nova, uma nova esperança que nos permite viver mais além.”

O prelado, em seguida, invocou o exemplo de São Pedro Chanel (1803-1841), o primeiro mártir da Oceania. O missionário francês da Sociedade de Maria, de fato, passou a anunciar o Evangelho em Futuna, uma das ilhas de Fiji, e conseguiu converter o filho do soberano da ilha, que em resposta mandou matá-lo. Depois disso, todos os habitantes abraçaram a fé cristã.

“A Igreja não os manda para o martírio, mas no martírio se revela a força mais eficaz do testemunho apostólico – afirmou Dom De Paolis –. A Igreja sofre por todos os cristãos que a cada ano morrem.”

O prelado, em seguida, advertiu contra o problema da apostasia do clero: "O Papa, com razão, exige o reconhecimento dos direitos e o respeito pelos cristãos, mas sobretudo denuncia a infidelidade que há no interior da Igreja".

Ele afirmou que "o testemunho cristão não se identifica com o martírio. O martírio é uma manifestação suprema, mas a prática cotidiana do cristianismo é a caridade, o amor. Pois o amor é superar a si mesmo, doar-se e perdoar".

Secularismo

O debate passou em seguida para o tema do atrito entre a Igreja e a sociedade de hoje, com particular ênfase na questão da laicidade do Estado e a crescente secularização do Ocidente.

O prelado explicou que entre a Igreja e o Estado “não há concorrência, mas complementaridade", porque "o homem não se esgota apenas no tempo e não é feito apenas de sua realidade temporal, mas precisa da verdade, da graça e da vida eterna".

"O problema aqui, no entanto, não é exclusivamente de caráter religioso. O problema fundamental é saber se existe uma verdade e se existe uma distinção entre o bem e o mal. O problema de fundo é a questão antropológica.”

"É por isso que a Igreja entra em nossas vidas com um propósito específico, em um âmbito bem específico, não invade o Estado – disse –. O Estado ser laico não significa ser agnóstico, descrente, sem religião. A religião faz parte da dimensão humana."

O que se sabe, entretanto – disse Dom De Paolis – é, por um lado, a tendência da sociedade de hoje a relegar a voz dos católicos à esfera privada e, por outro, o temor dos católicos em intervir no debate público.

O arcebispo convidou os católicos a não renunciar à própria identidade, mas, no respeito do outro, esforçar-se no anúncio da fé e no agir como cristão, que é um agir divino, um comportamento que revela que o homem pode superar a si mesmo.

O que caracteriza, então, os desafios dos tempos atuais é o debate sobre o "sentido da existência humana, o sentido do homem, seu destino: o homem secularizado já não é mais o homem-imagem de Deus. É um animal como qualquer outro. Na verdade, hoje, elevamos até os animais à dignidade humana”.

Isso, concluiu o bispo, é um resultado da secularização, que "é a forma extrema de uma visão da vida em que desaparece a transcendência e que confunde e identifica tudo como o imanentismo”.

Daí o perigo da secularização, que, “implicando uma concepção da vida como realidade do tempo presente, leva a um fechamento para o mistério de Deus e o mistério do homem".

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