Uma experiência de unidade e comunhão sinodal

09/11/2010 10:05

Entrevista com o vigário do Patriarcado Latino para Israel

 

Por Gabriela Maria Mihlig

ROMA, segunda-feira, 8 de novembro de 2010 (ZENIT.org) - Durante o Sínodo para o Oriente Médio, os padres sinodais não só realizaram um grande trabalho, mas também conseguiram criar entre eles um bom espírito de comunhão e unidade.

Esta é a reflexão de Dom Giacinto-Boulos Marcuzzo, bispo auxiliar de Jerusalém, que é também vigário do Patriarcado Latino para Israel e que esteve presente nas sessões da recente Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio.

Nesta entrevista concedida a ZENIT, Dom Marcuzzo reflete sobre as conquistas do sínodo, especialmente sobre a experiência de unidade e de comunhão dos bispos reunidos em Roma, e como isso pode ter efeito na região.

ZENIT: Considerando a situação no Oriente Médio e na Terra Santa e vendo as proposições finais, o senhor poderia nos explicar quais são os principais temas de interesse em geral - e para o senhor, como bispo?

Dom Marcuzzo: No sínodo, preparamos várias propostas que foram apresentadas, junto com alguns outros documentos, como Mensagem ao Povo de Deus, ao Santo Padre. Estas propostas são muito amplas e recolhem todos os nossos principais problemas no Oriente Médio, especialmente na Terra Santa. Esse "pacote sagrado" de ideias tem um nome muito significativo e solene: "Propostas da Assembleia Especial para o Oriente Médio do Sínodo dos Bispos sobre o tema da Igreja Católica no Oriente Médio: comunhão e testemunho. A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma (Atos 4, 32)".

Falando em geral, são 44 propostas que apresentam assuntos diferentes, por exemplo: a Palavra de Deus, um programa de pastoral bíblica, a identidade das igrejas orientais católicas, a participação na Cruz, o incentivo para fazer peregrinações, as questões sobre justiça e paz em todos os países, o diálogo inter-religioso, a jurisdição dos patriarcas etc. Certamente, incluímos nestas proposições também temas sobre o testemunho cristão nos países do Oriente Médio, passando por assuntos da vida religiosa, renovação litúrgica, escolas e direitos humanos, o cuidado especial pelos jovens.

ZENIT: Que contribuições, em particular, foram dadas pelos bispos da Terra Santa?

Dom Marcuzzo: De maneira especial para a Terra Santa, nós, bispos da assembleia, contribuímos muito com nossas intervenções, em particular sobre a unicidade da Igreja Mãe de Jerusalém, sobre os lugares santos e as peregrinações, sobre a especificidade, o serviço e a complementaridade da presença latina, a novidade da presença de uma "comunidade cristã palestina em Israel" autóctone e uma "Kehilá (comunidade) católica de expressão hebraica", o problema da emigração, o diálogo inter-religioso, o fenômeno das seitas etc.

ZENIT: E sobre sua intervenção oficial pessoal no sínodo?

Dom Marcuzzo: Meu documento pessoal, lido na sala do sínodo e abreviado pela imprensa, tratava sobre o que penso ser a prioridade dentro das necessidades das igrejas no Oriente Médio e na nossa Terra Santa: a urgência absoluta da formação cristã de leigos e sacerdotes, a necessidade de uma mediação cultural e histórica da fé, a importância da teologia árabe ou patrologia como uma oportunidade de unidade e de inculturação.

ZENIT: O senhor poderia nos contar sobre seu papel na preparação das proposições?

Dom Marcuzzo: Nós, os bispos e outros membros da Terra Santa no sínodo, trabalhamos duramente e demos um firme apoio à redação e à complementação de algumas propostas concretas sobre a nossa situação, como as peregrinações, a boa inculturação das novas comunidades ou movimento na Igreja local, o trabalho pela justiça, pela paz e pela reconciliação, o ensino e difusão da literatura cristã árabe. Em outras palavras, podemos dizer que comunicamos a rica experiência do nosso "sínodo pastoral diocesano para a Terra Santa" dos últimos anos no sínodo dos bispos do Oriente Médio.

ZENIT: Há algum aspecto especial na mensagem e nas propostas que tenha chamado mais sua atenção que outros?

Dom Marcuzzo: O que interessa é o fato de que todas estas propostas que foram mencionadas aqui são muito ricas em seu conteúdo. Isso significa que este documento inclui todas as experiências históricas e maravilhosas de todos os bispos de todos os países do Oriente Médio. Esta documentação é realmente de uma preciosidade e riqueza incomparáveis para a Igreja, especialmente para nossas atividades no futuro.

Em segundo lugar, existe um espírito do sínodo, não só documentos. E esse espírito era de plena comunhão e, se me permitem, de uma democracia plena. Apesar de termos sido tão diferentes e completamente livres em nossas manifestações, fomos e somos profundamente "um só coração e uma só alma" ao redor do nosso Senhor Jesus Cristo e seu Vigário na terra, o Papa. Vivenciamos um catolicismo e um universalismo sinceros e alegres. Este espírito nos encheu de entusiasmo e nos proporcionou força para um começo novo e fresco, sobretudo no testemunho cristão do amor, da paz e da unidade.

ZENIT: Qual foi o papel e a presença do Papa no sínodo?

Dom Marcuzzo: Bento XVI participou de muitas das nossas sessões gerais. Este é um belo sinal de respeito pela venerável história das igrejas no Oriente Médio e de consideração por sua atualidade. Sua estimada participação foi uma presença de amor fraterno, de escuta atenta e de incentivo para todos. De fato, lembraremos especialmente das três reflexões que ele partilhou conosco durante o sínodo: a homilia da Missa inaugural, a primeira meditação na segunda-feira, 11 de outubro, e a homilia de conclusão do sínodo. São três obras-primas de reflexão maravilhosa, profunda e sobrenatural sobre nossas raízes e nossa presença na situação especial do Oriente Médio.

O Papa já recebeu as propostas dos padres sinodais. Com a ajuda dos 7 escolhidos e de 3 membros designados pelo conselho sinodal, Sua Santidade está refletindo sobre elas e considerando a melhor oportunidade para o uso final e oficial das proposições. Como nos demais sínodos, é provável que ele nos escreva um documento chamado "exortações", uma espécie de guia pastoral e prática relacionada com os pontos essenciais das propostas.

Estamos muito agradecidos com o Papa pelo que ele já fez pelas igrejas do Oriente Médio, e ansiosos por receber esse documento sinodal pontifício. Será, no futuro, uma espécie de guia para a nossa vida diária, nas decisões e atitudes que as igrejas do Oriente Médio adotarão nos diversos campos. O futuro da nossa Igreja depende do sínodo e desse documento sinodal pontifício.

ZENIT: Existe algum assunto especial que afete o Patriarcado de Jerusalém em particular?

Dom Marcuzzo: O sínodo não fala de nenhuma igreja do Oriente em particular, mas de todas as igrejas do Oriente Médio. O Patriarcado Latino é uma delas. Como se sabe, há 7 tradições cristãs no Oriente Médio, e a tradição latina é uma delas. Foi uma espécie de descoberta ver que existe no Oriente Médio uma Igreja latina bem adaptada e arraigada, O sínodo é de caráter pastoral e compartilhamos quase os mesmos problemas, com algumas diferenças, entre os cristãos que moram no Iraque, no Líbano, no Egito, na Terra Santa ou na região do Golfo etc. Basicamente, temos os mesmos problemas.

Agora temos de procurar ter a mesma experiência, para aplicar juntos estas propostas e viver o mesmo espírito de "comunhão e testemunho" em nossas situações reais locais. O sínodo não terá um resultado imediato. É preciso certo tempo para dar frutos visíveis, ainda que esperamos já ver um novo espírito. A adaptação e aplicação das nossas propostas ou declarações de intenção exigem paciência e tempo, mas o mais importante é caminhar já na direção adequada, juntos, com um novo espírito.

ZENIT: Voltando à Terra Santa, o senhor falará a todos os párocos do Patriarcado Latino para transmitir-lhes toda a informação necessária obtida no sínodo, para que possam implementar os novos temas em sua vida diária, nas paróquias e comunidades?

Dom Marcuzzo: Os sacerdotes, consagrados e leigos já estavam envolvidos na preparação do sínodo e no acompanhamento, pelo menos espiritualmente, da sua realização. Agora, partindo do nosso próprio sínodo pastoral, pouco a pouco, na Terra Santa, nós nos dirigiremos a todos os sacerdotes, a todas as pessoas consagradas, a todos os monges, monjas e religiosos, a todos os leigos e a todos os jovens. Cada vez mais, estamos trabalhando juntos, temos uma pastoral mais comum, por exemplo, para os jovens, para a vida religiosa, para as vocações.

Cada vez mais, em todos os âmbitos, vamos nos encontrando e decidindo juntos sobre os principais problemas dos fiéis em sua vida religiosa e cotidiana: por exemplo, os problemas sobre o matrimônio, da justiça e da paz na Terra Santa. Isso é urgentemente necessário, não só com o fim de evitar mais conflitos, mas para dar um exemplo de vida de comunhão e de testemunho cristão. Assim, na Terra Santa - graças a Deus -, já praticamos muitas coisas juntos e temos de fortalecer e aprofundar cada vez mais nesse trabalho em comum.

ZENIT: Qual é sua tarefa especial, como bispo do Patriarcado Latino? Está mais relacionada com o cuidado pastoral ou com a educação e formação de seminaristas e estudantes?

Dom Marcuzzo: Naturalmente, como bispo, agora estou dedicado especialmente ao trabalho pastoral. Nos anos anteriores, eu me encarregava dos seminaristas, das vocações e da formação dos futuros sacerdotes. Agora, tenho de atender às necessidades pastorais das pessoas, especialmente dos jovens. Estou me encarregando particularmente à atenção dos cristãos que moram em Nazaré, na Galileia, em Israel. Em geral, em espírito de cooperação com o patriarca de Jerusalém e seus vigários, temos de atender os cristãos, árabes, judeus e demais, em união com outros sacerdotes do Patriarcado Latino ou de outras instituições. Esta é minha responsabilidade pastoral diária.

Como comentei, depois do nosso Sínodo local na Terra Santa, realizado nos anos 90, que terminamos no jubileu do ano 2000 e que nos deu o Plano Pastoral Geral, agora estamos trabalhando e cooperando cada vez mais juntos. Esta é a razão pela qual eu disse que, para nós, esta Assembleia Especial para o Oriente Médio do Sínodo dos Bispos em Roma, com o Santo Padre, não era exatamente a primeira experiência desse tipo. Ainda que tenha sido muito especial e única, para nós esta foi a segunda importante experiência de comunhão e testemunho.

ZENIT: E agora que o sínodo terminou, algumas reflexões finais?

Dom Marcuzzo: Agradecemos com alegria a Deus por ter-nos dado luz e força para este acontecimento eclesial histórico. Agradecemos ao Santo Padre, Bento XVI, por ter confirmado nossa fé e nossos esforços para ser "um só coração e uma só alma"; agradecemos a todas as pessoas que trabalharam duramente pelo bom resultado desta grande iniciativa, incluindo os jornalistas e todas as pessoas, especialmente as contemplativas, que rezaram continuamente por esta santa intenção. E agora, com a intercessão e o exemplo de Maria de Nazaré, continuemos servindo a Deus e aos nossos amados fiéis cristãos no Oriente Médio, na Terra Santa, na Santa Igreja Mãe de Jerusalém!

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